segunda-feira, 10 de março de 2014

"PESCARIAS"

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O telefone acorda-me do meu sonho, qual apito estridente de um qualquer comboio que circula algures carregado de vidas diferentes.
Arredo o sonho e o sono como posso e aos encontrões agarro com "raiva" aquele ruído insistente inopinado.
- Pá - Diz-me uma exaltada voz - temos de ir para a pesca! O mar está bom, fulano e sicrano vão...Não sejas "maricas"... Hoje é que vai ser.
Respondo como posso e digo que sim. Não vale a pena rebater os argumentos de um "pescador" impulsivo.
Hoje o mar acena com peixe por todos os lados, só temos mesmo de ir lá busca-los, melhor! Pesca - los.
Praguejando, os restos de sono são eliminados, em meia dúzia de minutos molhados, numa xuveirada já a cheirar a peixe.
Rapidamente, amonto-o no saco o material pronto desde a última pescaria : Linhas, carretos, canas e anzóis,  olham-me famintos de aventura e emoções. Um qualquer resto de comida, uma lata de conserva (de peixe) é encontrada ao acaso e vai para o saco do farnel. São as coisas menos importantes para tão importante missão. Falta a água ...Alguém deve levar.
A roupa já está mal vestida, sem saber se chega ou sobra e salto de um salto as escadas, que se quedam admiradas com a minha frescura matinal extemporânea.
O caminho tanta vez percorrido, parece sempre longo para a pressa que arrasto. São minutos que me parece já estar a perder. Os pesqueiros deviam estar a uma distância proporcional à pressa que temos em chegar.
Já chegados e depois dos cumprimentos apressados. Há que escolher o local perfeito para atacar as vitimas, que nos esperam (pensamos) impacientemente. Todos os locais são bons e todos têm defeitos. O lugar é pois um entrave e motivo para alguns apressados debates, já que a finalidade, é pescar rapidamente.
Os preparativos apressam-se em frenesim descontrolado, é a chumbada, o tamanho do estralho, o anzol e a minhoca que parece ainda dormir.
É o primeiro lançamento das esperanças.
Até aqui, corre tudo sempre bem!
Pode falhar o lançamento, pode-se perder tudo, mas há desculpas, falhar é humano e  a seguir vai correr bem, é preciso boa disposição e fé.
Aos primeiros falhanços contrapõe  - se um estado de graça. Calmamente, coloco a minha cana numa fresta da natureza a descansar, ainda só passaram duas horas desde que lançamos os sonhos ao mar.
Há que esperar sentado.

Um cigarro, uma olhadela pelo horizonte e pelos outros, faz com que rapidamente passe mais uma hora de vida. Os meus companheiros de faina,  cada um por seu lado, semeiam a gosto as esperanças pelo vasto mar que nos olha e se estende sorridente  perante o nosso olhar.
As nossas línguas à solta, falam de tudo e ao acaso. Há sempre uma história molhada e redescoberta, até outras interessantes que ajudam o relógio do nosso imaginário a andar sem ser notado.
Fala-se de azares e de sorte e de pesca às vezes; fala-se mais de sorte que de azares dá azar. Fala-se dos filhos e dos filhos dos outros, das mulheres dos outros e de outras coisa às vezes também.
São conversa rápidas porque são desprovidas de olhares, o olhar, esse, está na ponteira como que em estado de hipnotização. Fala-se de frente, de lado e de costas, vale tudo; 
Não estamos ali para grandes tretas "conversatorias",  mas para pescar.
 
Passaram pelo sol mais duas horas e uma melancolia cansada e salgada vai-se lentamente apoderando de nós. Estamos a ficar cansados de tanto olhar o mar, a ponteira, a minhoca e o anzol. Estamos parece a ser postos à prova, pelo destino de meia dúzia de robalos, se um, nos bater à porta, a nostalgia dispara para lá do horizonte já quase perdido.
Todos nós aqui neste rochedo povoado de esperança, temos duas coisas em comum. A amizade que nos une e o gosto pela natureza que nos envolve.
De repente... Sinal de peixe numa cana e a excitação salta por todos. Afinal, era um peixito pequeno e perdido no tempo como nós, é um estorvo de peixe, não dá para nada não é peixe a sério, não está catalogado. No nosso programa de festas, um Robalo é rei, Carapau é Povo e um Bodião um desgraçado.
No murmurar constante das ondas, as nossas esperanças vão-se desvanecendo com o sol, tudo ao longe, se vai envolvendo de nuvens da cor dos nossos olhos, vai-se perdendo a graça no falar e os movimentos começam a estar secos de sal.
O mar nosso amigo, resolveu esconder o peixe. Nem um peixito para contrapor, às horas roubadas ao nosso descanso de horas mais pequenas.
Um ar de infortúnio disfarçado vai-nos invadindo o espírito, que à cautela, já vai formando o desejo da próxima pescaria.
 
Rapidamente arrumamos as conversas e euforias trazidas, os desejos e as sobras do material. Os restos de isco, são atirados com fé ao mar, na esperança de que na próxima sejamos recompensados por tamanha boa vontade.
Rumamos aos nossos portos de abrigo, qual traineira fugindo ao temporal. Vamos vazios de peixe mas cheios de fome e fé! Na próxima pescaria, tudo vai ser diferente, tudo vai ser animado, com belos robalos a saltar por todo o lado.
As escadas, antes descidas a correr,  são agora mais cansadas e compridas. Um duche para tirar  o cheiro a peixe e a minhoca e uma chegadela à mesa, onde um belo robalo grelhado, olha com olhar de gozo deitado no prato às riscas.
Para a próxima não escapas digo eu entredentes, agarrado à outra perna do frango.
       
 
 
 
 
 
 

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