sexta-feira, 27 de abril de 2012

ALEMBRANÇAS 4

1964 +/-


O meu Pai não era farto em me destinar tarefas para lá da permanente e que se resumia a dizer-me por tudo e por nada «estuda».

Contudo e por que em determinado período da vida, ele tinha um emprego que  lhe ocupava quase  todo o tempo das 24 horas, encarregava-me de vez em quando de regar algumas árvores de fruto que tínhamos no quintal e em volta da casa.

"Não te esqueças de regar os limoeiros"- disse-me antes de sair.
"Mas bem regados"- frisou-me. O conceito de regar ou seja a quantidade de água necessária para "regar bem" dele, era muito diferente do meu (como depressa vim a saber e a sentir). 

Já era noitinha, (quando avisado pela minha Mãe) fui  rapidamente deitar uns regadores de água nos 4 limoeiros que viviam felizes e contentes e com sede, num lugarzinho do quintal cada um  bem aninhado num círculo formado por pequenos tijolos pintados de branco.
Foi rápido, 4 limoeiros, 4 regadores de água e eis a tarefa cumprida a preceito.

Chegava do trabalho o meu Pai a casa por volta das 4 da manhã e chegou nesse noite também como era habitual.

O que não era habitual era eu acordar de sopetão às 4 da manhã por um Pai danado e cansado que me pegou num braço e me levou como eu estava (em cuecas) para o quintal e depois das respectivas 4 palmadas bem ajustadas ao meu imberbe traseiro me colocou o regador na mão.
E lá fui eu assim apressado, dar à bomba, aos pés e ao rabo dorido, de novo regar os limoeiros como "devia ser" (ainda estavam com sede calculo) e eu com frio em quase todo o corpo, quase todo! Porque o traseiro, esse, estava ainda em brasa.

Dorido ,molhado e cansado perdi a conta aos regadores que multipliquei pelos 4 limoeiros.
Hoje gosto de limões e sumo de limão,mas por cada um que toco "alembro-me" daquela noite fatídica em que tanto susto e trabalho  eles sem saber me deram.

Quando voltei para a cama já o meu Pai ressonava (nessa altura os Pais ressonavam) e eu resmungava azedamente contra a necessidade de ter de afogar os limões, como se um simples regador não chegasse para lhes matar a sede e o trabalho a mim.

Outros tempos, outros limões mas vou ter de novo de os regar, agora que também tenho um limoeiro no quintal do bairro amarelo.
Espero que não morra de sede.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

"BATATABUADA DE INFÂNCIA"

1961 +/-

 
 
Andava o meu Pai a tratar do quintal, ao mesmo tempo, andava eu com o livrinho da tabuada (coisa séria de aprender para mim) que nunca fui muito prendado no mundo dos números.
Já estava na 3º ou 4ª classe e não atinava com a resposta pronta para os 9 x 7 ou os 8 x 9  que de tempos a tempos o meu Pai no intervalo de uma cavadela me lançava.
A cada erro dizia ele estuda; eu, sentado nos degraus da porta da cozinha, lá ía cozinhando  o estudo  empinado para tentar decorar aquela salada de numeros que parecia não mais parar de me azarar a vida.
A uma nova pergunta, mais uma resposta errada. 
Recebi como prémio as (usuais na época ) 4 palmadas de grau 5 no traseiro descarnado, que me fizeram saltar de emoção, baralhando-me as contas de vez .
 
Andavam nessa época ainda em parte incerta, as máquinas de calcular, tabletes e outras iguarias tão apreciadas pelos jovens, (que continuam a não saber em grande maioria), a tabuada.
 
Lá fiquei, desgraçado e dorido a olhar entre soluços e lágrimas para aquele emaranhado de quadros e, números sinais e outras coisas que pareciam apenas existir para me atormentar a vida .
Passadas cerca de duas horas de sofrimento a olhar para o maldito livrinho, acabei por responder acertadamente a três ou quatro perguntas sobre o tema que de soslaio o meu Pai lá no meio das batatas me lançou.
Respondi com êxito, sentindo finda a tarefa; fui mudar de calças.
Até à próxima, pelo menos estava a salvo.
Assim foi !
Ainda hoje me lembro da cena e nunca mais falhei na tabuada. Continuo a ser um nabo em contas, mas na tabuada não. (se calhar eram nabos e não batatas).