sábado, 6 de fevereiro de 2016

"REVISITANDO PENUMBRAS"















Dispo-te com o olhar na tua pose descuidada
descendo-o por teus contornos difusos
que a luz mortiça me permite adivinhar
rendada estando a janela pra o nascer do sol virada
onde o desejo jaz demorando-te a ser cor observada.

Hoje nada espero de novo do dia
deitada que estás entre lençóis gastos e sujos
de olhos fechados a olhar sem que me aperceba.
Ouço sair dos beirais bandos de pardais sem rumo
como a porta que está fechada como tu sem usos.
Nada para lá dela me comove como o tempo inocente
que nos "escorre" como ribeiro de águas paradas.

Mudas da posição descuidada para outra indolente 
apresso-me a cuidar para que o café esteja quente 
mas que nem mesmo o calor do cheiro te acorde.
Nada se move neste quarto que de formas
a não ser pó que esvoaça dançando me recorde
o ritmo das respirações desalinhadas.

O horizonte nada promete nem a realidade tão pouco
o céu coberto de estranhas formas de cinza paradas
impregna-me de saudades quase esquecidas.
Passo o olhar de ti para a folha de um livro bolorento 
que me chega à alma dos dias como conhecido vento
trazendo as letras que um dia tanto quis ter lidas.

A claridade que recolhes no teu estar insolente
não me deixa ver mais que a tua sombra confusa
como os sentimentos que por mim perpassam.
Abandono as folhas de letras vazias abrindo um cigarro
do tamanho possível num rasgo de luz que já tardas.
Cheira a mofo o espaço em que a vida nos deixa e vegeta
o café secou de cansaço numa borra abjeta
colada às bordas do vaso tão passado que guardas
como à pedra musgos esverdeados se agarram.

Passeio em passos teimosos e curtos o espaço que resta
em quarto verdadeiro fosse sala caixão ou cela
ficando inocente a olhar a semente que já não és
sinto-me como que adubo falso que não presta.
Ao longe parece que um trovão nasce e cresce
quebrando o silêncio para o dia querer a teus pés.
Que venha um pouco de chuva de cima ajudar
lavando o olhar preso de movimento à janela.

Sente-se a aragem mover o pó antes parado
ficas no movimento de lado para mim de costas.
Retiro o meu corpo de pé  deixando-o sentado de esguelha 
vejo melhor de lado as partes que mais gostas
as folhas tremem mais no livro do que a história espelha.

Os pardais qual bandos de loucos aprisionados
escoaram-se com a água vinda de cima em viagem
que vai dando vida a nossos ribeiros estagnados
sendo que mais nada parece do que há pouco era.
Sinto no ar uma brisa do norte salgada em coragem
saída do mais profundo ser em desejo de novo forte
formado do embaraço fabricado de anatta espera
em primavera de dias na procura de esperada sorte.