sábado, 20 de setembro de 2014

"VUT"
















Olá meu amor
espero que esta carta seja para ti
motivo de alegria e novidade.
Assim penso ser.

Só agora me arranjaram uma morada
ainda que transitória.
Tenho garantida num máximo de cinco anos
a ida para o verdadeiro céu.

Não podia no entanto deixar-te sem novas minhas
e acima de tudo agradecer toda a trabalheira
que te dei com a minha morte inesperada
já que até eu fui por ela surpreendido.

Foste muito atenciosa em convidar a família
para lá de teres organizado um serviço fúnebre
muito digno embora um pouco caro.
Percebo que o dinheiro não fosse teu... adiante. 

Minha querida como sabes aqui por cima sabe-se
de tudo. As pessoas (as almas) ainda não me habituei
ao nome...Nada mais fazem do que andar por eternos
jardins e praças a codrilharem sobre tudo e todos.

Passam horas na (VUT)  (net) e o resto do tempo
é passado a  comer e  acasalar inocentemente.
É uma vida boa e espero que em breve possas
"ver" com os teus próprios e eternos sentidos.

Deixa-me confessar-te que fiquei um pouco triste
para não dizer espantado o facto de partilhares
dois dias após a minha partida o nosso leito de sempre
ainda por cima com o policia que mais me multava.

Espero que os vizinhos não sejam agora vitimas
da fome multadora do meu substituto tão rapidamente
incorporado na tua corporação.
Sei-te ardorosa  mas não te conhecia o dom da rapidez.

Ainda bem que não tínhamos dívidas torna-se mais fácil
a mudança. Não esperava que vendesses por aquele
preço o carro desportivo nem o barco.
Não foi uma venda... pareceu-me mais uma doação.

Tenho mais coisas para te dizer mas como disse
a morte aqui está sempre muito ocupada o que é bom.
Vou hoje ouvir o requiem de Mozart com os vizinhos
vamos cear também com alguns políticos que chegaram do inferno.

Passa bem meu amor e mais uma vez te peço
desculpa pelo incómodo que inocente te causei.
Não faças ao polícia sem querer meu bem
ele desejar morrer também....Bjssssss.







 

"RIO"















Sublime a recordação que guardo
do sonho em que era rio
nascido entre montanhas azuladas...

tão perto estavam do céu.
Minhas águas cristalinas
caindo do topo entre fragas
inóspitas no desejo de mais chegar
ao mar que sonhava então distante.
Entre encostas verdejantes misteriosas
salpicadas de casario branco discreto
corriam-me as águas em livre queda
como pedras de dominó perdidas
em abandonadas mesas de ao luar
jogar.

 
Espelha-se perante mim rio cansado
o tão desejado mar imenso e frio
em tons de verdes e ondas douradas
com laivos de cristas brancas junto ao céu.
Saído do sul todo o meu caudal destinas
em água a correr pra norte em chagas
me transpiro de vagas de berço lembrar
sentido o sal que todo meu rio então levante.
Na corrente desci entre margens tão dolorosas
que sem tino sem medo sem rumo certo
meu sonho se queda sem ganho nem perda
enlaçando-me assim de primaveras repetidas
numa dança sem fim salgada de doce amor
dado que sou água floresta e flor.

 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

"PODE SER"














Não sejas assim impulsiva
que o tempo está de saída
sem retorno que se imagine
conseguido ou duradouro.

Penteia-te de novo
emoldura o rosto
deixa-me ver os olhos
a curva das sobrancelhas
o teu sorriso descuidado
e o sulco do teu decote.

Pode ser "inda" que eu sirva
não seja causa perdida
pensamento que desatine
até um pequeno tesouro.

Nem tudo pode ser estorvo
tão pouco um fogo posto.
Veste a saia de folhos
calça as botas vermelhas
"Pra" irmos de braço dado
 rever a estrela do norte.

Pode ser "inda" que eu sirva
para uma tela esbatida
onde o nosso amor atine
lata se torne de novo ouro.



 

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

"EMENTA DE AMOR"


















Serve-te do meu amor
faz dele o que quiseres.
Castelos e sonhos coloridos
prazeres que pensando pressintas
mesmo  que sendo proibidos
sensações desconhecidas que só tu sintas
em jardins  que suspensos imaginados puderes.


Serve-te do meu amor
dá-lhe um ou vários sentidos
sai para a rua que é tua e dele
em vestidos inventados coloridos
com o teu melhor e simples sorriso
que tão bem sabes por vezes usar.


Serve-te do meu amor
que está pronto "pra" te amar
sem grandes palavras e  interjeições
temperado de sol de inverno e mar
como todos  perdidos  corações.


Serve-te do meu amor
dá-lhe um pouco de lume
deixando-o arder junto a ti
que foi "pra" isso que nasci.




Quem assim amor assume
é desejo intenso incontido
que servido... se serve contigo.






 

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

"BANCO DOS DIAS"

























Arrumei  o meu saco cama  à porta do banco e lar.
É sábado o tempo está tropical vou ensonado de nada para a praça da minha alegria.
É debaixo desta amoreira centenária que me abrigo dos excrementos dos pombos
alargo o meu olhar para a excrementaria vida dos que por aqui já são restos com eu.
Já bebi uma cevada e trago um pouco de côdea amarga que me acalma a vontade.

Chove uma chuva envergonhada como a senhora que de chinelos  sem condizente par
carrega dois coloridos sacos de coisas da madrugada para não parecer tão mal
passam os casais do costume calados e de mão dada a caminho da missa do dia.
Um idoso como eu está mais lento devido à carga de papelão que carrega nos ombros
alargo o meu olhar para um par de rapazes que se beijam como se tudo fosse seu.
Já só falta ver a saída dos noivos entre flores e arroz e pombos a gritar - «arredai» felicidade.

É assim ao sábado esta praça entupida de trabalho solidão e merda.
Uns a resistir outros a desistir  outros  a fingir e a chuva ao sol a caír.
A praça dos votos e dos devotos dos desterrados e de quem nada herda.

A chuva intermitente lava-me a alma mas não lava a raiva que trago no peito
abençoa os noivos admirados com tanta e efémera fartura de arroz de pombo.
Guardo para mim contudo este tempo enamorado do sonho e desajustado no jeito.