Se a tua mão não tem nada
se o nosso amor morreu num dia
ajuda-me nesta melancolia.
Se não estranhas a crueza
dos lagos sem peixes
ou das ruas vazias...
espero que um dia me deixes
a dizer que não sabias.
Se nos teus olhos há escuro
e eu vislumbro que é dia
se achas que é medo incerteza
afago-te repetidamente o rosto
desse teu imenso segredo.
Vou-te dizendo baixinho que juro
que fiz tudo o que podia
em taças de sabor amargo mosto.
Viagem:
Curta ou comprida
fátua ou perdida
que importa!
É espaço ocupado
na pequenez da vida.
Longa saída
da nossa porta
algo sentido
quase sempre com dor
por quem a faz
Viagem:
Pode andar perdida
em mais que uma vida
de mar marinheiro.
Brisa sentida
em corpo inteiro
Paixão insossegada
da ilusão
do tudo ou nada.
Por ti vivi em ti renasci
no fim morri.
Abriste os olhos quando acabei de te aprontar.
Pela primeira vez vi teus olhos esverdeados
até hoje fechados.
Pareceu-me até notar um ligeiro sorriso.
Acabei as notas... arrumo o processo e olho-te
de novo.
Estão já fechados os teus olhos esverdeados
permanece esse ligeiro sorriso.
A partida inesperada atrapalha-me os sentidos
deixa-me os olhos molhados.
Vou refazer os passos já gastos perdidos.
Partiste !
Há noites sem graça!
Fico às voltas na cama...
parece que o tempo não passa.
No escuro faço conversa com a brasa
de um cigarro mal fumado.
Sinto o teu odor descuidado.
À minha volta volteia o escuro
e o colchão torna-se imensamente duro.
Arderam os últimos centímetros de morte
e "volto-me" de novo...
para a razão deste desnorte.
As ideias saem de mim a esmo
qual razão... qual chamamento.
Lá fora a noite torna tudo... no mesmo
como um ausente e misterioso afago
sem razão aparente me parece
sinto nela um fraco aliado.
Será porque lhe pertenço
nesta dor que vai doendo por dentro
estando eu a sonhar acordado.
Como a noite espera o dia
assim eu fico...
de volta em volta.
Os olhos não vêm aquilo que gostava.
De um lado a vida vazia
de outro o amor mal tratado
e de outro a noite permanente.
Sinto a vida um barco dormente
amarrado a um imaginário cais
e pergunto - me se saio... ou não sais?
A custo refreio um desejo malfadado
percorre-me um certo medo
de soltar amarras.
À minha solidão junta-se o andar dos ponteiros
que ali parecem estar em segredo.
Por mais motivos que procure
não encontro a razão...
haverá alguma que perdure?
Ouço os ruídos do dia...os primeiros.
Pareço-me perdido... entre o sim e o não.
O nosso espaço de metro e meio sem razão
torna-se uma avenida...mais morta do que viva.
Acabo por adormecer
apenas por minutos...
Um pequeno estrebuchar torna-me o olhar aceso
fico de novo no ar... mas ainda preso
o sono do lado viaja não sei por onde.
Invade-me uma acalmia
que não sei explicar ao certo
que me faz esquecer a hora tardia
a alma vazia... como se fosse gente
furtiva... inexistente.
Embora longe... estamos ainda perto
unidos por um amor molhado e ausente
que a tarefa esgotante da vida já pressente.
Parte de amor sinto...ainda me aquece
agora que o dia atrasado... Amanhece.
Um cigarro que se fuma
numa hora mais perdida
é como a noite de bruma
é como a ausência querida.
Um cigarro que se fuma
é o matar de um desejo
bater mais do coração
dá-se no cigarro um beijo
que se aspira com paixão.
Um cigarro que se fuma
num rôr de vezes à toa
é um mal que se avoluma
gesto incontido que voa.
Um cigarro que se fuma
pedra no charco da vida
que fica assim mais doente
placebo pra dor que é sentida
e aperta o peito da gente.