Bim para a montanha com as bacas e as obelhas
sou um jobem pastor da minha aldeia
as bacas são de meu Pai as cabras de minha Mãe.
Esta quase o sol a nascer por detrás da paradela
o gado todo a pastar desatento e o cão tãobém
eu a tocar minha gaita que trago junto à merenda.
Toco até ter bontade e depois durmo ao sol
até me dar a aquela coisa e bou-me às cabras
que são a modos que as minhas namoradas.
Já podia namorar porque já tenho bigode
mas não tenhe tempo e as moças foram embora
para lá do monte prá escola dizem os pais delas.
Que escola é essa que as leba daqui pra fora
sei que elas não boltam quase nunca mais
e nunca mais bão e debiam o gado pastar
Tenho bida bouá mas queria ber o mar e ir embora
é longe daqui do monte que não tem que me distraia
gostaba tãobém de um dia lebar mê gado pastar na praia.
Fiquei ali sentada no banco molhado
a olhar os pombos distraídos nos seus namoros.
Já não chovia e o sol começava a insinuar-se
em raios envergonhados.
Tenho ao meu lado um saco de plástico
cheio de ilusões e dois bocados de pão
já rijos e suculentos de nada.
Estou muito bem... não fosse o frio
que me atormenta os pés sem meias.
Tenho a boca a precisar de pintura
e os dentes perdidos nela ao acaso.
Preciso de um banho de amor
à tempo demais...não sei sequer
se me lembro do que isso é.
Aproximam-se crianças a rir e casais
a rir também de mãos dadas de esperança.
Ares de uma felicidade que já esqueci.
Dou felicidade efémera... a bestas onde calha
a troco de promessas e moedas fugidias
alguns impropérios e olhares desprezíveis.
A igreja que me acolhe fecha à hora certa
porque Deus cumpre os horários.
Caí neste banco para não cair no chão.
Não se pode cair onde se já caiu
perdi a noção até se tenho coração.
Revejo na mente a espaços os retratos
que me roubaram na pancada
de noites seguidas em luas de loucuras.
Tudo ficou na vila...da minha infância
só a idade deixa ainda em mim o medo
de prolongar esta dança desgraçada.
Resta-me o perdão e a dignidade
que faço por em mim manter e desejar
mesmo sabendo que pouco tenho pra dar.
Os trapos lentamente descolam-se da pele
e os pombos foram para o átrio da capela.
Vejo de longe novos pombinhos entre pétalas
e arroz caídos do céu como milagre
entre gritos de desejos e risos encandeados
no vestido branco de cetim e seda dela.
Também o meu era assim...branco e com rendas
contrastando com o fato preto dele
oferecido pelo Pai que lhe batia e dava prendas.
Tudo se passa enquanto a vida e os trapos seco
debaixo dum sol hesitante como o meu é
tornando-me assim a vida e o pão ainda mais seco.
Passei pela tua rua
estava nua e mais escura
sentei-me na tua porta
olhando desconsolado
tua janela fechada
bebi um copo de fado
que vinha da porta ao lado
voz de saudade e tristeza
como amor que é renegado
tal como me sinto eu
do amor que era teu.
Fiquei pela madrugada
em fados tristes e sós
duma voz que encontrei pura
parecia falar de nós
nos tempos de mais certeza
nas horas de amor fadado
do meu eu encostado ao teu
passeios de braço dado
nesta rua agora escura
que foi minha agora é tua
e da janela fechada.
A trincheira é a ultima morada
de quem nada tem a perder.
Pode ser silêncio e fuga
refúgio a sul ou destino a norte.
Vivemos hoje entrincheirados ...
Mesmo que tudo perdendo do nada
ao não deixar ou querer deixar ver
numa vertigem que cega e nos suga
de todo a vida... pra dar à morte.
Pior que prisão... onde podemos fugir
na trincheira ficamos sem esperança
já que não há recuo à vista.
Se sai em frente ou se resiste.
Fiquei mais tempo prendendo
o teu lábio inferior
tu presa no meu superior
em plena e muda dança
de eterna em suave conquista
que nos corpos tão juntos existe
rodopiando entrincheirados de amor.