Fiquei ali sentada no banco molhado
a olhar os pombos distraídos nos seus namoros.
Já não chovia e o sol começava a insinuar-se
em raios envergonhados.
Tenho ao meu lado um saco de plástico
cheio de ilusões e dois bocados de pão
já rijos e suculentos de nada.
Estou muito bem... não fosse o frio
que me atormenta os pés sem meias.
Tenho a boca a precisar de pintura
e os dentes perdidos nela ao acaso.
Preciso de um banho de amor
à tempo demais...não sei sequer
se me lembro do que isso é.
Aproximam-se crianças a rir e casais
a rir também de mãos dadas de esperança.
Ares de uma felicidade que já esqueci.
Dou felicidade efémera... a bestas onde calha
a troco de promessas e moedas fugidias
alguns impropérios e olhares desprezíveis.
A igreja que me acolhe fecha à hora certa
porque Deus cumpre os horários.
Caí neste banco para não cair no chão.
Não se pode cair onde se já caiu
perdi a noção até se tenho coração.
Revejo na mente a espaços os retratos
que me roubaram na pancada
de noites seguidas em luas de loucuras.
Tudo ficou na vila...da minha infância
só a idade deixa ainda em mim o medo
de prolongar esta dança desgraçada.
Resta-me o perdão e a dignidade
que faço por em mim manter e desejar
mesmo sabendo que pouco tenho pra dar.
Os trapos lentamente descolam-se da pele
e os pombos foram para o átrio da capela.
Vejo de longe novos pombinhos entre pétalas
e arroz caídos do céu como milagre
entre gritos de desejos e risos encandeados
no vestido branco de cetim e seda dela.
Também o meu era assim...branco e com rendas
contrastando com o fato preto dele
oferecido pelo Pai que lhe batia e dava prendas.
Tudo se passa enquanto a vida e os trapos seco
debaixo dum sol hesitante como o meu é
tornando-me assim a vida e o pão ainda mais seco.
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