Pela primeira vez em 59 anos vou passar 120 horas de férias na minha terra.É um facto inédito porque sempre vivi na minha terra.
Nada de mais afinal dir-se-á.O curioso contudo, é que estou cheio de vontade de ir para férias com quem comigo quer ir, e com quem eu quero que vá comigo.
Vou ver como alguém que está longe disse, «a coisa com outros olhos».
Embora não seja totalmente da mesma opinião no que diz respeito aos "olhos" é verdade que vou ver tudo mais claro e transparente.
A minha terra, tem a melhor cor ao caír da tarde e tem pessoas bonitas todo o dia.Tem movimento e aspectos únicos em Portugal, por mais voltas que se dê.
Tem a marzia constante, o tanque e o "dragoeiro" tem as minhas filhas todas e o meu filho inteiro,a minha irmã e o Tó.
Podia-lhe chamar cunhado mas isso é confuso (é o Tó) e chega.
Além disso, a minha terra tem os meus (abandonados só fisicamente)os Netos que são o futuro e ainda a Patita e as meninas do futuro dela e do "menino" dela.
A petanca e o Olivença, o moínho, o Gomes e o Alegria são memórias de todos os dias também.
Há depois a "Flôr", o café mais caro da zona e o Izidro que é a alma do café mais caro da zona e a Praia de S.Pedro a mais bonita da costa.
Está recheada de surpresas a minha terra: Tem o maior casino da Europa e as grutas da Alapraia cheias de merda de cão às vezes e outras não.
Tem o "Quentinho" que funciona , como o santuário de Fátima só que no modo de frango assado, e não de velas queimadas.
Tem também a minha terra gente de todos os lados, escuros por vezes em demasia o que a torna nos dias de hoje, um pouco perigosa para os mais incautos.
Tem gente boa que já se foi deste mundo e tem gente que lá está que é boa uma e outra nem por isso.
Dos meus antigos amigos, restam ainda os que cabem numa mão amputada de 2 dedos e dos mais novos os dedos de baixo chegam. E chega para mim assim também.
Dos meus antigos vizinhos apenas da Dra Bety e o seu "horrível" cão me lembro mais. Mas ela vale por ambos e pela memória da sua mãe e irmão.
Lembro ainda alguns cães e cadelas mas de uma forma difusa e descolorida pelo passar dos tempos e da memória.
Vejo claramente a rua dos meus berlindes, a primeira e a segunda casa dos meus Pais e a loja que tanto deu que fazer e falar, loja não! "Charcuteria Marsol"" fáz favor, e o cão "Paga já", do campo da bola e das festas populares, o "GDA" e as futeboladas na pòça e na Abóbada onde no intervalo dos jogos comíamos uma sandes de coiratos e um galão de vinho branco, o Virgílio e a Mabília, a Maria e o Luis e outros que sendo poucos, talvez por isso marcaram a minha juventude.
O resto da minha terra é o Mar maravilhoso e a Serra ali tão perto, o Guincho a costa e as escapadelas como "uma grande casa de alterne" diria Gabriel Garcia Marques, batida pelo som das ondas zangadas e do vento que passa apressado para se esconder de vergonha no oceano.
Tocaram os "GÉNESIS" por ali perto e no "Côconuts" estava o Menino noites a fio, franqueando a porta a gerações de primos que eu deligentemente arranjava.
Andei por todos os montes, e caminhos desde Sintra a Cascais, em longos passeios na minha bicicleta, passeios esses, que tiveram o condão de me aprimorar na arte de fugir para o mar (porque era a descer), não havia bikes com 21 velocidades, nem pranchas de surf, nem miúdas atrás dos rapazes.
Mas a praia era o melhor, a praia, o mar, o fundo do mar e um linguado perdido que por vezes esperava pela ponta do meu arpão.
Gostava de contar por marcas num papel, os carros que passavam na marginal durante um determinado tempo que eu calculava a "olho".
Havia a "Choupana" com musica e tudo e gente rica e a Simone de Oliveira e o Henrique Mendes.
Na minha terra, passei os tempos de miúdo alegre e descontraidamente entre a praia, bola, escola, Pais, Bailes, filhos, alegrias muitas e tristezas algumas e outras coisas menos boas.
Saí dela, porque não cabia mais nela de cabeça levantada o dia inteiro e em boa hora o fiz.
Posso agora visitá-la com outro olhar que só a distância permite.
Ela, a terra, continua sempre bonita e eu e os "meus" todos que por aqui passaram, continuam a ser dela.