"O último turno"
Hoje aprimorei-me mais do que é normal...
carreguei um pouco no batom e na base.
Vesti-me com mais cuidado do que é usual
como se não fosse o último mas o primeiro.
É curta ainda a minha jovem carreira...
É triste a alegria que sinto
das saudades que em breve pressinto
terei dos locais...do ar... até do cheiro.
Para o meu último turno da noite
já estou preparada para chorar de medo
da dor no meu coração e de não ver o verão.
Será um longo inverno... mas não será mais o inferno.
Esta noite (como todas) vou-me dar por inteira
ao estremecimento de cuidar com mais vagar.
Dona Rosa, Sr. Joaquim... tudo vão ter de mim
não porque queira partir...Mas porque quero chegar.
Deixarei entre sorrisos e cuidados dobrados
os meus queridos doentes em troca da liberdade
de puder ser o que preciso... para ter melhor viver.
Parto... não por nada... Mas por tudo.
Abril mês da liberdade conquistada e...
aqui vou eu de abalada rumo a um tratamento decente
a um futuro mais certo mesmo que longe
rumo a mais dignidade...Perdida neste presente.
Pena não poder levar os meus doentes
nesta minha viagem obrigada e desabrida.
Deixo tudo e os amores também... algures escondidos...
o meu Pai e minha Mãe parte de vida... sonhos perdidos.
Hoje é o meu último turno da noite.
Outros se seguirão iguais... mas diferentes do sol
a que estou habituada... Irei !
Sou obrigada... Mas ausente não ficarei.
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