Decidi uma noite destas (por opção) comer um bocado de pão com queijo de faca na mão (como o meu Pai tinha por hábito fazer) quando me "alembrei" de algo semelhante mas em circunstâncias muito diferentes.
Há quarenta e quatro anos estava na sala da casa dos meus Pais a olhar para uma televisão velha a preto e branco e passou um anúncio com navios da Armada Portuguesa muito apelativo e em que se convidavam os jovens a ingressar na Armada como voluntários.
Assim vi ! Assim fiz.
Lembro que na altura era época de muitos de nós, saírem do País clandestinamente já que estávamos em "guerra".
Não era uma grande guerra mas era uma guerra onde se perdiam algumas vidas (de jovens essencialmente).
O recrutamento militar era obrigatório e a DGS (a pide) encarregava-se de que as fugas não fossem alternativa.
Inscrevi-me na Armada depois de comunicar aos meus Pais (neste caso primeiro Mãe e depois Pai) já que sendo menor 16 anos tinha de ter autorização. (Fins de Setembro de 1969)
Já com 17 anos fui chamado para inspecções em Janeiro de 1970 por um período à partida de 15 dias.
Local: Doca da Armada (junto ao campo das cebolas) 07:45 do dia 12 de Janeiro no cais.
Era de noite estava uma manhã fria e lá me apresentei pontualmente, sem barba ainda ou quase nenhuma, sem noção e de olho atento ao que pela primeira vez se me deparava.
Havia jovens como eu os voluntários e os recrutados que eram em média 3 a 4 anos mais velhos. Fazia toda a diferença esses 3 ou 4 anos entre uns e outros.
De um modo geral eram homens feitos se comparados com miúdos de 17 anos.
Embarcámos na "vedeta" (nome que se dava à embarcação de transporte) directos para o porão e para a Base Naval de Lisboa, território até aí para mim desconhecido.
Ía vestido com um "sobretudozinho" e carregava um saco de roupa que a minha mãe tinha preparado, depois do choque inicial ao saber da minha vontade em ingressar na Armada.
Foi um dia em cheio para lá e para cá, testes e mais testes, exames médicos, perguntas, dúvidas, almoço num enorme refeitório, primeiras amizades (algumas até aos dias de hoje), a ida ao barbeiro e a malfadada cortadela na trunfa a pente zero que tanto nos preocupava.
Pelas 17:00 atamancados com uma espécie de fardamento (quase igual ao dos "Prisioneiros de alcatraz") a chamada farda de alumínio e com o "penico" na tola rapada, fomos de novo levados para a vedeta e de novo para o porão e para a outra margem, cansados, sem cabelo, ridículos, e felizes...
Eu pelo menos ía.
Eu pelo menos ía.
Fomos a pé desde o Terreiro do Paço carregados com o saco típico dos marinheiros (o célebre chouriço) mais os nossos sacos, em fila (desordenadamente, ordenada) a dois até Santa Apolónia apanhar um comboio especial para Vila Franca de Xira, rumo à "Escola de Alunos Marinheiros" que até tinha um apeadeiro próprio.
Chegámos de noite e fomos mais ou menos empurrados para um refeitório já preparado para nos receber com meio pão e uma pratada de uma espécie de sopa da pedra.
Daí à chegada a um enorme edifício (a caserna) nº1 foi um momento e a nossa distribuição ordenada pelas dezenas de beliches outro momento foi.
Enfim! Só.
Fiquei com um r/chão e fiz a cama pela primeira vez sózinho, arrumei as roupas no armário e dei a volta ao saco que a minha Mãe com tanto esmero fizera.
Roupa interior, pijama, lençóis e fronhas.... de tudo um pouco lá havia, até um canivete! Era o meu dote para aquela tão grande mudança de vida.
Que jeito daria na altura um TLM.
Mas havia também um bocado de queijo picante, um chouriço, pão e uns pacotinhos de leite.
Eram já 22:30 e o sinal de recolher e silêncio tinha sido dado assim como tinham sido desligadas as luzes da célebre camarata da 1ª companhia de voluntários de 1970.
Ao mesmo tempo que por mim voava o pensamento da casa até então, da namorada e de todo um mundo de rotinas que adivinhava tinham definitavemente tido o seu fim, sentei-me na cama e no escuro e com o canivete novo cortei um bocado de pão e um bocado de queijo que comi lentamente (por opção), até o sono do cansaço daquele dia tão diferente me levar.
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