Decorreram 5 a 6 dias de mar em que as tarefas diárias a par da repetida leitura das últimas e futuras cartas de amor e saudade eram quase o único sustento para a passagem do tempo.
O mar umas vezes agreste e eriçado e uma chuva própria de marujo visitava-nos amiúde promovendo o beliche a atracção principal sempre que possível.
Nada havia de empolgante e o Panamá não deixara saudades para lá da meia dúzia de "souvenirs" mais ou menos de mau gosto que por obrigações aberrantes se teima em comprar em todo o local que é novo durante as andanças da vida .
Estávamos a um dia da chegada à baía de Acapulco pelo que e por estarmos adiantados no tempo graças ao vento a favor até aí constante e amigo, se resolveu pairar.
Como de costume, lavar e pintar pela enésima vez todas as partes do navio foi como sempre era , o sinal que nos lembrava a todos o cheiro de terra e notícias frescas.
O frenesim da limpeza e da pintura ao mesmo tempo alargava-nos o sorriso e diminuía o mal estar causado pela estadia longa ao sabor do vai e vem daquele chão inquieto que habitáva-mos.
De Acapulco sabíamos ser um local famoso de turismo com belas praias e discotecas pelo que todos nos aprestávamos para a descoberta das razões da fama e dos meandros da cidade.
Antes porém ! Quis o destino ou melhor a natureza, sujeitar-nos a um desafio não calculado pela rapidez com que chegou, sob a forma de uma violenta tempestade tropical que em minutos sobre nós desabou transformando a tarde quente e sossegada numa noite escura e nada sossegada .
Instalou-se sem aviso prévio uma verdadeira montanha russa em que o lado inclinado era sempre o mesmo e que alguns tiveram grandes dificuldades em suportar.
Rajadas de vento assustadoras a par de uma chuva grossa que doía no rosto deitou por "terra" os preparativos e o resto de tudo o que alegre e afanosamente se tinha procurado abrilhantar.
A inclinação a que fomos sujeitos pelo vento forte andou perto do limite de segurança e o pânico roçou mesmo os mais habituados a estas diabruras dos elementos naturais.
Encharcados e doridos da pancada fomos empurrados pelas vagas de vento e pelas vagas de mar que na escuridão apenas pressentíamos ser grandes e perigosas.
Acapulco parecia querer-nos mostrar a sua fama de cidade irreverente e espetacular mas para azar nosso da pior forma possível.
Quem o Oceano percorre não precisa de ajudas nem divertimentos deste tipo. O simples facto de nele andar por dias e dias a fio é já motivo que chegue para excitar a alma e aguçar os sentidos.
Mas o mal estava feito e era meia noite quando ficámos cansados, molhados e desarrumados ao largo da baía de Acapulco que de bonita naquela altura para nós nada tinha, já que com tanta chuva nem o resplendor da cidade que se dizia fascinantes víslumbrávamos.
Sem poder aterrar devido ao estado de sítio porque passávamos, passámos o resto da noite a reparar estragos e a posar para a maior trovoada e para os maiores raios que alguma vêz na vida tinhamos (pelo menos a maior parte de nós) deparado.
Dir-se ia que todos de terra disparavam os seus flash em busca da melhor fotografia para a nossa bela barca.
Um dos flash foi tão "curioso" que entrou pelo mastro da mezena com o estrondo respectivo e depois de descer e rebentar com todos os equipamentos electricos saíu airosamente atrapalhando suponho a fauna que por perto deveria andar.
Foi uma noite de Santo António e a premonição de que iríamos encontrar uma cidade excitante de luz e cor de ruído e movimento.
A premonição estava certa.
Pouco se dormiu e pela manhã, entrámos quase que lavados de mais, frescos e airosos, na agora bela baía de Acapulco seguidos pelo olhar de milhares de pessoas que nos recebiam sorrindo como se nada de mais tivesse ocorrido a tão "belos Globetrotter" dos mares.
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