sexta-feira, 13 de setembro de 2013

"MEMÓRIAS DA RUA RAM"

 
















A rua da minha infância era de terra batida
e de poças de água às vezes, ladeada por quintais
e muros. Um branco o meu e um castanho o de outros.
Tinha as covas dos jogos de berlinde e as marcas de carros raros
que por vezes passavam numa nuvem de poeira.
Passavam mais carroças e burros sem carroça
uma ou outra ruidosa mota e montes de bicicletas.
Era uma rua comprida estreita e torta
que envolvia o meu olhar das horas certas.

Nela me via a brincar mais um ou dois como eu
perdidos na tenra idade e no isolamento oferecido
à condição de meninos da rua sozinha...
No acerto das memórias fica-me rica em pormenores
então descuidados.
Passava à quinta feira a carroça, luzidia adornada
de luzinhas e flores de plástico do "azeiteiro"
que vendia tudo... um mercado feito de mil cuidados
do sabão ao vinho da aguarrás ao óleo do azeite ao petróleo
e tudo o que mais houvesse inventado.
Era um acontecimento de esperanças renovado.

Pela altura do Natal, passava o homem dos perus desvairados
obrigados a seguirem muito controlados rua fora
deixando um rasto de cheiros e borradelas.
À tarde passava um policia de mala...em passos curvados
a mesma mala lancheira...sempre com o ar dos policias.
Passava o amolador com a flauta e parava a flauta
para amolar tesouras, facas e canivetes.
Passavam os ciganos a vender ilusões e chicletes.
Ao anoitecer lá  vinha o "Zé da Maria" sempre coxo
e com um sorriso igual e coxo que fazia animar a malta.

Brincávamos naquela rua de tudo e os carrinhos
brincavam nas autoestradas inventadas no topo
dos muros estreitinhos.
A rua era iluminada por uma luz nos pontos escuros
e pelas fogueiras do S.João,S.Pedro e pelos bailes
enfeitados de vestidos às flores e xailes.
Servia a rua de campo de bola com bancadas de sonho
e golos perdidos.
Passava a peixeira com peixe sempre fresco às vezes.
O carteiro aparecia a correr e distribuía os pedidos
em envelopes às cores nas bordas que vinham da guerra
para lá do mar e para lá da nossa pequena terra.

Sentado no muro autoestrada ficava horas a tocar
viola num pau com fios de nylon à espera de brincadeira
trazida por outro ou de uma bola perdida renovada.
De noite a rua era mais escura mas via-se chegar
de longe os vultos que nela renasciam.
Um... especialmente, conhecia eu... pelo andar
umas vezes bem e outras mal disfarçado... diziam.
A rua da minha infância tinha de tudo um pouco
do mundo que não sabia.
Ainda lá está... renovada iluminada como se um dia
como dantes fosse... mais cheia de vida e confusões
mas para sempre...sem as minhas ilusões.




  

  

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