Com mais ou menos 15 anos tinha já uma grande experiência em assistir aos bailaricos das noites de verão, matinés, carnavais, pinhatas e outros eventos na arte de dar à perna..
Acompanhava a minha Mãe, que por sua vez acompanhava a minha Irmã e assim se sucediam na minha vida e na delas bailes e mais bailes.Era o ópio de então para a juventude.
Pouco ligava eu ao baile em si mesmo, divertia-me no tempo a ver os músicos tocar (os conjuntos como se dizia) desde que chegava até que saía.
A certa altura, já eu portador dos sinais do tão amado acne juvenil e depois de umas tantas ensinadelas da professora de dança lá de casa(a minha Irmã) comecei a madurar a ideia de um dia ter de experimentar ir sozinho ao baile para sentir a coisa mais por dentro.
Havia então uns bailes ao domingo à tarde na Parede (S.M.U.P.) e foi nesses mesmo que pensei enquanto durante uns tempos engendrava a maneira e a "coragem" que precisava para me abalançar a tão medonho e temível propósito.
Na mais completa clandestinidade, vesti-me com umas calças de "bombazine" castanhas (detesto calças de bombazine) e completei a indumentaria com uma camisola de gola alta (coisa que detesto também há muitos anos) de que já não me "alembro" da cor (penso que era branca) e revesti-me de um casaco azulado aos quadradinhos fugazes num tecido mais ou menos almofadado mais ou menos piroso, que era o que tinha mais "decente" à mão.
Toca de ir ao baile numa tarde soalheira de um domingo para mim que queria especial. Simplesmente sozinho, simplesmente a pé e já simplesmente a tremer de nervoseira perante a possibilidade de ter a sorte de "apanhar" uma brasa dançante nos bracitos e ter que "simplesmente" dar à perna.
Era fácil o propósito e forte a intenção.
Não me passava a mais pequena maldade ou intenção a não ser mesmo o dar à perna para ter a sensação que só conhecia de ver nos olhos dos outros e outras mais velhos.
Não me passava a mais pequena maldade ou intenção a não ser mesmo o dar à perna para ter a sensação que só conhecia de ver nos olhos dos outros e outras mais velhos.
Fui a pé e a pé tirei o bilhete e entrei num salão cheio de grandes e grandonas, todos a exalar dança, olhinhos,sinais,sorrisos,"pacholis" rendas,bordados,peneiras e futilidades das mais variadas.
Nada que eu próprio não representasse na minha tímida abordagem ao mundo da atracação social mais comum e legal para a época.
Tocava o conjunto as musicas badaladas de então (Otis Reding, Eagles, Beatles, Procol Harum, Giannis Morandis; Ritas Pavonnis etc etc ...tudo musica que a fauna "profissional" do dar à perna conhecia de trás para a frente mesmo a dormir.
Os Rapazes, homens, (rapaz era eu) de pé no meio do salão estendiam braços e olhares, posições e esgares dignos dos tentáculos de um polvo gigante que tudo em redor parecia abarcar.
Elas ficavam sentadas nas mais variadas posições sempre que possível ao colo de alguém (penso que para estarem mais altas e visíveis) e também estendiam o olhar para lá do horizonte medindo disfarçadamente de alto a baixo as possíveis presas para atracar por mais uma tarde ou tardes o corpinho tão laboriosamente tratado para a função.
Todo este ritual já eu conhecia de ginjeira (obrigado Mana) mas uma coisa é teoria e outra bem diferente é colocar em prática os conhecimentos adquiridos.
Sabia que os conjuntos tocavam por séries de musicas ou seja, tocavam 4 musicas duas rapidinhas e duas mais lentas (os slows) e depois paravam um bocadito para todos afinarem os instrumentos.
Os músicos as cordas e as gargantas, os dançarinos a goela e o cigarro e mais um lustro no sapato, elas iniciavam frenéticas corridas para as WC compor o bâton, o sorriso, o vestido, o soutien, a meia, o decote etc etc. tudo era revisto e aprimorado para a próxima andança.
Jogavava-se um futuro mais ou menos feliz ao lado do dançarino mais capáz e luzídio.
Depois de algumas séries em que deambulei perdido num mar de corpos estilizados e num mar de tiques programados e profissionais, depois de vezes sem conta interiorizar o modo como poderia dar a entender à "menina"que também queria laréu dançante, lá me aventurei pela sala e ao jogo da tampa.
Após um sinal mais ou menos envergonhado, mais ou menos ensaiado, mais ou menos ridículo, um dos resultados possíveis era ou levar uma nega,(uma tampa), ou ver a desejada abanar os olhinhos e levantar-se com um ar de desejo mal contido, alegria ou desdém, trajeitos esses mais do que ensaiados conforme a sessão lhe estivesse a correr nesse dia.
Não era fácil a tarefa delas.
Embora muito procuradas a fartura era tanta que a disputa pelos melhores pedaços deixava vítimas desgostosas pela tarde adiante, por um domingo inteiro, semana inteira até à próxima matiné.
Embora muito procuradas a fartura era tanta que a disputa pelos melhores pedaços deixava vítimas desgostosas pela tarde adiante, por um domingo inteiro, semana inteira até à próxima matiné.
Andava tudo ao mesmo e apesar do calor do ambiente os suores frios eram comuns entre os atores naquela "guerra" de oferta e procura.
Rodei tibuteante pela sala e colecionei desportivamente as tampas que eram mais que muitas.
Sentia-me a modos que entre o "Patinho Feio" e o "Calimero" mas lá fui rodando na procura do sonho dançante.
Sentia-me a modos que entre o "Patinho Feio" e o "Calimero" mas lá fui rodando na procura do sonho dançante.
Já ia na terceira musica da série, (primeiro slow) e eu carregado de tampas e à beira de desistir e rumar para casa.
Não que a minha escolha fosse muito selectiva, estava por, tudo qualquer dançadeira me servia para a inauguração, eu é que penso estava assim como que fora do baralho, ou eu , ou o casaco almofadado, piroso, azul aos quadradinhos desmaiados.
Última musica "Shade of pale" dos "meus" Procol Harum, azar do caraças até este monumento ao "slow dance" ia perder.
Desanimado, prestes a abandonar a missão e eis-me num último tímido e fugaz "menina dança" feito com a cabeça, com os olhos, com os pés plas mãos e com sorte,de repente uma delas me deu a entender (coitada era a última como eu) que sim que estava disposta a"slowzar"comigo.
Alegria suprema, choque tremendo e lá fui decidido direito ao assunto que em milésimos de segundo notei ser maior e muito mais espaçosa do que eu um lingrinhas ainda sem barba (só com buço apenas) e um casaco almofadado, piroso, azul aos quadradinhos desmaiados.
EU NO MEIO DO SISMO |
A desmaiar e a tremer, foi o meu estado seguinte quando aquela enormidade de corpo desconhecido se encostou ao meu.
Parecia que um tremor de terra tinha começado na zona e que só eu o sentia, eu e a massa enorme encostada a mim, e de mão na mão.
A cabeça (a minha) a voar por todo o lado até da musica se queixava por não acabar rapidamente, mais parecia que os músicos a estavam a prolongar de proposito e eu com uma pressa danada de largar o "pedaço" e me ir embora.
A cabeça (a minha) a voar por todo o lado até da musica se queixava por não acabar rapidamente, mais parecia que os músicos a estavam a prolongar de proposito e eu com uma pressa danada de largar o "pedaço" e me ir embora.
Acabou a musica e acabou o meu sismo de grau 7 e deve ter acabado também a decepção do meu par que se atenta, deve ter sentido que esteva perante um verdadeiro abalo sísmico e Tsunami falhado.
Com a sensação do dever cumprido, foi com alegria que airoso abandonei o bailarico do domingo, o meu primeiro bailarico de uma dança só..
Regressei a casa a pé e leve com o meu casaco almofadado,piroso, azul aos quadradinhos desmaiados e para lá do "shade of Pale" que ainda hoje oiço com nostalgia (mas não triste) retenho na memória dezenas e dezenas de bailaricos que vivi como espectador mais ou menos desatento.
Mas este foi para mim o mais especial e único.
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